Falando sozinho
Tenho um amigo das antigas, ainda quando adolescente ele falava muito, sem trégua, e o assunto era música; aliás, ele é um excelente músico, multi-instrumentista. Mas por falar sempre do mesmo assunto, as pessoas não tinham muita paciência para ouvi-lo. Sempre gostei muito dele, passava horas ouvindo-o e falando, quando sobrava um espaço. Passei anos sem vê-lo e quando, um dia, estava gravando em um estúdio aqui de Belo Horizonte, nos encontramos. Que alegria, que coisa boa revê-lo! Porém, ele estava diferente, mais calado, pouco efusivo, um pouco triste até. Gravou uma guitarra maravilhosa, mas só falou o trivial, nada daquele moço alegre e falador; um pouco estranho; outra pessoa se tornou.
Fiquei pensando sobre o que pode ter causado essa mudança radical. Será apenas o tempo? Amadureceu e se calou? O passar dos anos o tornou um moço triste. Pode ser também que alguma pessoa, dessas totalmente sem alma, o tenha repreendido, dito que falava demais, tenha mandado-o calar a boca; cometido algum tipo de falta de educação ou mesmo violência com ele por ser assim. Não consigo imaginar algo que tenha o poder de converter alguém que possuía uma alma de criança em alguém assim calado e taciturno. Lembro-me de uma vez que ele veio comigo até minha casa, a uma distância de quatro quilômetros só para conversar; chegando, não quis entrar; disse que era só pelo prazer de conversar comigo e se foi.
Eu falo muito. Muito mesmo. Também encontro o silêncio das pessoas como resposta. Adotei o hábito de conversar comigo mesmo; digo conversar porque é realmente uma conversa; não é um monólogo; eu respondo à minha própria conversa; gosto de conversar comigo. Já tive que despistar em algumas situações na rua perto de outras pessoas que me flagraram falando sozinho. Mas não me intimido.
Fico olhando meu neto fazendo isso o tempo todo: conta histórias, xinga, briga, ri alto como se tivesse outro amigo por perto. Vendo isso, penso no que o Mestre Nazareno disse sobre se tornar como uma criança; deve incluir falar sozinho, brincar consigo mesmo; nos xingar quando fazemos alguma besteira e elogiar quando fazemos algo belo.
Gosto muito de pensar em um mundo de esperança onde as pessoas suportem mais umas às outras; se escutem; riam juntas; caminhem de mãos dadas sem restrição onde o bem seja algo em comum; algo a dividir; a espalhar sem acumulação boba; possam dividir o pão e o vinho; se deem por amor e não por querer algo em troca.
Pode parecer maluquice mas te dou um conselho: quando conversar sozinho responda-se.
João Costa