A Amiga da verdureira
No bairro onde moro existe um varejão de verduras onde vou com mais frequência, por ser o mais próximo e ter preços bons.
Certa vez estava eu lá, escolhendo algumas frutas e, ouvindo a conversa alheia, coisa que que todo escritor, poeta ou artista adora fazer. (Eu não sou exceção) Não para saber da vida dos outros em si, mas para ter histórias a contar.
Nesse dia em especial, ouvi o papo de duas mulheres presentes no recinto, a dona do local e uma amiga.
Em frente ao varejão existe um buteco onde alguns homens, apesar de ser ainda manhã, bebiam sua cervejinha sem se importarem com o que os transeuntes pensariam ou diriam a seus respeito.
A dona do varejão chamou a atenção da amiga para um dos homens que bebia no bar dizendo: “Aquele cara de azul não tira os olhos de você e é gatinho, dá pro gasto.” Então a amiga respondeu: “Sem chance, ele não dá conta de mim, eu sou uma mulher cara, eu uso natura dos pés à cabeça, não vai conseguir me bancar.”
Explodi numa gargalhada interna, dessas que a gente tem que cerrar os lábios para não deixar escapar.
Fiquei pensando com meus botões na reação dela a observação da amiga. Ela não pensou nem um segundo para dar a resposta, já era uma forma pronta de ver a vida, nem ao menos olhou para o “homem de azul’, já sabia que ele não teria grana para bancar seus cosméticos preferidos. Não a interessou o fato de ser “gatinho” ou se “dava para o gasto” (como havia dito a amiga) ou seja, ela queria alguém que a bancasse, não que elogiasse apenas o seu “cheirinho gostoso”, alguém que lhe desse uma “vida boa”, não que desfrutasse desses momentos bons juntos. Um homem “pra chamar de seu”, seu provedor, seu brinquedo, seu escravo. A troco de que? Ser uma mulher cara? Ela não poderia comprar seus próprios produtos “caríssimos”? Não deveria ao menos considerar o cara de azul?
Eu observei o “cara de azul”, ele estava olhando a amiga da verdureira insistentemente, mal sabia que ela o via como um zero à esquerda, um fracassado. Não pude evitar de questionar: Quantos de nós vivemos a mesma situação? Olhamos as pessoas sem imaginar o que pensam de nós. Sabemos o que falam em nossa frente mas, o que dizem quando saímos? Que cara fazem quando batemos em seus portões? Qual suas expressões ao receber uma mensagem nossa em seus celulares? Será que somos queridos ou desprezados? Como o homem de azul nunca saberá o que a “amiga” disse a seu respeito, provavelmente nunca saberemos também. E pode ser melhor assim.
O que nossos olhos não veem, nos deixa completamente no escuro.
João Costa